terça-feira, 23 de janeiro de 2018

a árvore que falava aramaico

Em "A árvore que falava aramaico", de José Francisco Botelho, estão reunidos 15 contos, divididos em dois conjuntos. Nos 6 enfeixados em "Peripécias" sempre um narrador jovem conta algo fragmentário, resgatado da memória, um fato marcante, vivido no campo, ou perto de uma fronteira (a do Uruguai, claro) ou num litoral. São histórias variadas: de uma ventania que revela mais que a destruição física das cousas; de uma viagem clandestina de barco, aproximando pai e filho; da presença de um primo turco, contrabandista, e seus segredos; da sedução que uma gringa sardenta provoca num rapaz; da venda de uma antiga propriedade e a dor da separação; de um morto que continua a ver o mundo enquanto é roído pelos bichos do lugar onde caiu. As descrições são muito interessantes, mas é a linguagem que se destaca nos contos. O vocabulário é rico, cheio de mimos, de uma exuberância que não intoxica o leitor. Esses seis contos pareciam ecoar o pampa, traírem uma influência de Mario Arregui. Entretanto, no conjunto seguinte, nos 9 contos reunidos em "Grimório", o leitor é levado para ambientes mágicos e complexos, ao mundo interior de personagens enigmáticos, perturbados, intoxicados por suas próprias histórias, memórias e sucessos. Alguns parecem lembranças de sonhos ou pesadelos, fragmentos de feitiços e encantamentos, noutros parece que é o tédio que se encarna, para tornar-se interlocutor dos personagens, ou ainda é um espírito ou um duende brincalhão que confunde as percepções da realidade deles. A linguagem fica ainda mais rica nessas histórias, mas de uma erudição que não afasta o leitor, algo raro. Como escrevi para uns amigos quando terminei o livro, ainda no início de dezembro, impressionado com a potência dos contos, Botelho parece um mago, um djin, um Huysmans caboclo, um sujeito de quem vale a pena esperar novas conjurações literárias. Ojo! 
Registro #1252 (contos #145) 
[início: 01/12/2017 - fim: 03/12/2017]
"A árvore que falava aramaico", José Francisco Botelho, Porto Alegre:  Editora Zouk, 2a. edição (2014), brochura 12,5x18 cm., 174 págs., ISBN: 978-85-8049-028-2

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