segunda-feira, 14 de agosto de 2017

acre

Flanando por São Paulo nestes dias de intervalo entre semestres letivos, eis que soube do lançamento de "Acre", segundo romance de Lucrecia Zappi e um dos primeiros livros editados pela recém fundada todavia, spin-off da cia das letras, digamos assim. A sessão de autógrafos do livro, lá na boa livraria da vila (madalena), foi precedida por um bate papo rápido entre a autora e Michel Laub, autor dos bons "Diário da queda" e Tribunal da quinta-feira. Ele soube perguntar, extrair de Lucrecia algo da gênese do livro, de seu processo inventivo e ambição, deixar a audiência curiosa sobre a narrativa. O livro é curto e se deixa ler com calma. Nele se contrastam questões ambientais e transformações na paisagem urbana; a violência mais natural do campo com aquela que se preferiria fosse invisível numa grande cidade; o tolo cabotinismo da classe média com os ardis de quem acostumou-se com a aspereza da vida; a memória idílica de uma juventude em Santos (uma Santos provinciana dos anos 1980) com a realidade da São Paulo contemporânea, cidade que talvez não tenha mais a capacidade de devorar deserdados sem regurgitar uma grande maioria. Uma sequência de coincidências percorre os capítulos (e se você não gosta de spoilers abandone agora mesmo esse registro): um sujeito volta para São Paulo após quase trinta anos justamente para o apartamento lindeiro ao de um casal que ele conheceu muito bem na juventude; esse sujeito presencia um crime que lhe granjeará uma vantagem indevida na relação com esse casal; sempre há alguém no livro que oportunamente torna-se uma espécie de coro grego, esclarecendo o protagonista do que se passa na trama (no seu drama, afinal). "Acre" é de fato um livro bem escrito, notadamente pela forma de fundir os diálogos no corpo do texto, mas me senti incomodado em vários momentos (e não pelos temas  que surgem na trama, mas sim por uma frouxidão constante que talvez se corrigisse esclarecendo menos, tornando as escolhas dos personagens mais ambíguas, menos previsíveis). Talvez o que o livro mais acertadamente nos lembre é que ninguém fica casado trinta anos impunemente. Ojo, vamos a ver o que essa curiosa autora nos preparará no futuro.
Registro #1201 (romance #323)
[Inicio: 01/08/2017 - fim: 03/08/2017]
"Acre", Lucrecia Zappi, São Paulo: editora Todavia, 1a. edição (2017), brochura 13,5x21 cm., 204 págs., ISBN: 978-85-93828-00-3

Nenhum comentário: