sexta-feira, 2 de setembro de 2016

onde está tudo aquilo agora?

O bom de ler livros como este "Onde está tudo aquilo agora?" é que o leitor se converte ao otimismo de um sujeito (ao menos durante o tempo de leitura!). Afinal, numa época em que é mais fácil encontrar zumbis demagógicos, falastrões, escravos mentais e tristes servidores de tiranos ou ideólogos fascistas, Gabeira mostra que é possível contribuir para transformações sociais e políticas apenas com inteligência e calma. Seu livro é uma autobiografia breve, um balanço de um jovem senhor, de um sujeito que chegou lúcido e ativo aos 70 anos. Não se perde em detalhes ou causos engraçados. Alcança apresentar o que fez na vida sem cabotinismo, fala de seus muitos erros e dos esporádicos acertos, do perene compromisso com a verdade, do exercício de sempre aprender algo novo, do sempre reinventar-se. Os capítulos são apresentados cronologicamente. Ele nasceu em Juiz de Fora, em 1941 e logo descobriu sua vocação para o jornalismo. Entusiasta e autodidata, consegue sair ainda jovem de Minas Gerais para radicar-se no Rio de Janeiro, senhor de sua vocação. Já sair da redação de um jornal para a clandestinidade foi um ato impulsivo, mas ato que decidido foi executado da melhor forma possível. Nada parecia mais importante que lutar contra a ditadura militar nos anos 1960. A história seguinte é mais ou menos conhecida. No final de 1969 envolveu-se no sequestro de um embaixador norte-americano; levou um tiro; ficou preso na Ilha Grande (do Rio de Janeiro); foi libertado em uma troca de prisioneiros; passou todos os anos 1970 no exílio (e numa eterna preparação para voltar a luta armada) na Argélia, em Cuba, na Alemanha, no Chile e na Suécia. Com anistia, retorna ao Brasil. Lança "O que é isso, companheiro!" (lembro-me das muitas discussões em que me meti por conta dele); funda o partido verde; atua na defesa de minorias e questões ambientais; tem filhas; faz política e jornalismo; torna-se deputado federal por quatro mandatos (mas afasta-se das práticas petistas ainda antes do escândalo do mensalão). Quase ganha a prefeitura do Rio de Janeiro em 2008 (perdeu por 50 mil votos em um eleitorado de 5 milhões) e dois anos depois perde também a chance de governar o Estado do Rio de Janeiro. Afasta-se definitivamente da política partidária e passa a dedicar-se apenas a projetos jornalísticos, onde sempre "critica o cinismo que tomou conta da política brasileira", como ele mesmo diz. O livro é super bem escrito.Não há espaço para autoindulgência. Gabeira sabe ser honesto intelectualmente e explica algo sobre o Brasil contemporâneo. Sabe que não se pode cometer sempre os mesmos erros, que a aventura da vida acaba sempre numa reconciliação com a realidade, mas que o exercício de sempre tentar mudar nossa realidade para melhor é o único que merece ser praticado. O livro termina em uma nota otimista. Mal sabia ele à época das consequências terríveis das fraudes agora desnudadas pela operação Lava-a-Jato, mal sabia dos desastres que organizar a Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíada trariam a seu Rio de Janeiro, mal tinha ideia do custo absurdo que teríamos (e ainda teremos todos, por décadas) com a reeleição da medíocre dilma e de seu impeachment. Sabendo novos detalhes de como ele se envolveu no sequestro do Elbrick o absolvo de ter ajudado na libertação do Zé Dirceu, para mim o ato fundador do grande artífice da primeira eleição do lula e do início do período mais podre e irrecuperável da história brasileira, sempre pródiga em desgraças. Enfim, procurando ler mais sobre ele achei um jingle bacana, de sua campanha para governador em 2010. Decididamente, pedir para um brasileiro votar no melhor candidato é mesmo perda de tempo. Grande Gabeira. 
[início: 11/08/2016 - fim: 01/09/2016]
"Onde está tudo aquilo agora? Minha vida na política", Fernando Gabeira, São Paulo: editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm., 196 págs., ISBN: 978-85-359-2198-4

Um comentário:

vera maria disse...

Que pena, Aguinaldo, estamos em campos políticos irremediavelmente opostos. Até breve, Vera