domingo, 22 de março de 2015

flores da ruína

Assim como em "Dora Bruder", que já resenhei aqui, esse pequeno livro mescla invenção literária com elementos autobiográficos. Desta vez Patrick Modiano oferece ao leitor três camadas de seu palimpsesto pessoal: (i) os fatos que consegue apurar da estranha morte de um casal de jovens franceses em 1933, após uma noite de bebedeira; (ii) sua fuga do colégio em 1960 e seu relacionamento com uma mulher chamada Jacqueline, que o acolhe e com quem viverá algum tempo fora da França; (iii) os sucessos que descobre anos depois (1964 ou 1965, quando já frequenta a universidade) sobre um personagem camaleônico, ambíguo, talvez colaboracionista durante o nazismo, um sujeito chamado Pacheco (mas que também usava como nomes Philippe de Bellune e Charles Lombard) que também tem uma namorada chamada Jacqueline. Se é que eu entendi bem (as alusões são verdadeiras armadilhas nos livros de Modiano) a história do suicídio/assassinato do jovem casal serve para localizar uma região de Paris, fixar a geografia da narrativa, mostrar os lugares que o narrador irá frequentar ao tentar entender a psiquê do tal Pacheco. Por sua vez, a fuga do colégio e o relacionamento com Jacqueline possibilitam ao narrador fazer a transição da adolescência para a vida adulta (metaforicamente de uma vida de ilusões e mentiras para uma vida de inquirições e descobertas de outros aspectos da verdade). A relação do narrador com o pai mostra-se em "Flores da ruína" um bocado complexa (aparentemente eles se afastaram completamente, deixaram de se falar sem explicitarem suas diferenças, mas é difícil que o leitor entenda os porquês deste estranhamento). Do personagem Pacheco, que Modiano parece resgatar de um esquecimento completo para dissecar no romance, ficamos - narrador e leitor - sabendo pouco, mas isso não é nem de longe um problema. Bom livro.
[início: 13/03/2015 - fim: 16/03/2015]
"Flores da ruína", Patrick Modiano, tradução de Maria de Fátima Oliva de Coutto, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2015), brochura 13,5x21 cm., 143 págs., ISBN: 978-85-01-10305-5 [edição original: Fleurs de ruine (Paris: editions du Seuil / La Martinière Groupe) 1991]

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