sexta-feira, 3 de outubro de 2014

o olho

Em "O olho" Nabokov explora alguns de seus temas recorrentes, como os de identidade, duplo e subjetividade. Originalmente fez parte de um conjunto de contos, mas o próprio Nabokov entendia esse texto como um pequeno romance, tanto em experimentalismo como em extensão. Cronologicamente é a quarta de suas narrativas mais longas. Foi composta em 1930 em Berlim e nesse ano publicada em uma revista para expatriados russos de Paris chamada Sovremennyya Zapiski. Em 1965 seu filho Dimitri a traduziu para o inglês e ao texto foi acrescentado um prefácio assinado pelo próprio Nabokov, onde ele discute a eventual perenidade de seu trabalho após 35 anos, bem como as circunstâncias de sua produção e interpretação. Nabokov apresenta um narrador em primeira pessoa (Smurov, um jovem emigrante russo na Berlim dos anos 1920) que se suicida logo no início do texto, após ter sido espancado por um sujeito furioso (podemos acreditar ou não que o suicídio se consumou, não importa). A partir daí o que se lê são trechos alternados em primeira e em terceira pessoa, onde o leitor é apresentado à personalidade e ao comportamento de Smurov. O narrador em primeira pessoa louva suas qualidades e aventuras, sua capacidade de enganar a todos com quem convive, seus amores, o mistério de suas reais intenções e planos. O leitor percebe logo que esse narrador é um mentiroso compulsivo, mas fica curioso sobre seu estado (afinal ele pode ser um fantasma, já estar morto, ou ser apenas um pobre diabo louco que sobreviveu a uma tentativa de suicídio). O narrador em terceira pessoa explicita as contradições de Smurov, faz transparecer ao leitor o quão mesquinho e miserável é o protagonista, mas não o condena ou é moralizante (Nabokov sabe o quão má é a literatura que deixa de ser arte e se traveste de ferramenta de engenharia social). Sem também apelar para malabarismos de interpretação psicológica Nabokov alcança com humor refinado mostrar-nos um processo de dissociação, onde os delírios de grandeza e a poderosa capacidade do ser humano em iludir-se completamente apenas desnuda que sempre enganamos nós mesmos quando imaginamos enganar todos os demais.
[início: 18/09/2014 - fim: 23/09/2014]
"O olho", Vladimir Nabokov, tradução de José Rubens Siqueira, Rio de Janeiro: editora Objetiva / Selo Alfaguara (Grupo Prisa), 1a. edição (2011), brochura 15x23 cm., 107 págs., ISBN: 978-85-7962-098-0 [edição original: Соглядатай, Sogliadatai (Paris: Russian Annals Publishing House) 1938 - em russo; The Eye (London: Phaedra) 1965 - em inglês, traduzido por Dimitri Nabokov]

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