domingo, 19 de janeiro de 2014

roads to berlin

Já terminei de ler alguns livros esse ano e deveria ter feito ao menos um par de registros aqui, mas decidi chegar ao fim de "Roads to Berlin" para começar com ele os trabalhos, os prazeres e os dias de 2014. Cees Nooteboom é um dos autores que mais gosto. Viajar com ele, viajar com seus livros e sua imaginação, sempre é todo um ensinamento, um aprendizado, uma aventura. "Roads to Berlin" é dividido em quatro partes. A primeira delas (e mais longa, pouco mais da metade do livro) foi publicada originalmente em 1990. Nela aprendemos que Nooteboom ganhou uma bolsa da DAAD para ficar um ano em Berlim, em 1989, justamente o ano da queda do Muro. O projeto inicial era produzir poesia, ficção, relatos da viagem, mas os acontecimentos daqueles dias o fizeram mudar de planos e acompanhar o frenético início da reunificação alemã. O resultado foram crônicas que foram publicadas originalmente em revistas, antes de serem reunidas em livro. São crônicas muito interessantes, pois contrastam vividamente os meses que antecederam e os que se seguiram a queda do Muro. O olho de poeta e de viajante pouparam Nooteboom de exercícios de futurologia. O que ele descreve antes são perguntas, bem mais do que respostas, sobre qual seria o destino da Alemanha (e da Europa). Li esta primeira parte do livro numa tradução espanhola: "La desaparición del muro", de 1992, que já resenhei aqui. Um eventual leitor poderá encontrar ali uma discussão mais longa e detalhada sobre as crônicas e as observações de Nooteboom. A segunda parte do livro é um pouco menor que a anterior (ocupa um terço dele) e reúne cinco ensaios que foram publicados originalmente em revistas holandesas, em 1997 e 1998. Nooteboom pensa sobretudo em imagens, recupera suas reflexões anteriores e produz digressões sobre aquilo que vê ao percorrer uma Alemanha que se transformava rapidamente, política e economicamente. Ele flana pela Berlim que tornara-se um imenso canteiro de obras, visita museus e universidades, vai a restaurantes e cafés, conversa com os amigos e sobretudo com desconhecidos. Nada parece ter seguido linearmente os acontecimentos de dez anos antes. Ele nos lembra, sem amargura, que "A história é um profeta que olha apenas para atrás". Na terceira parte encontramos sete ensaios curtos escritos em 2008, tempos da grande crise financeira que de alguma forma ainda experimentamos. Eles são um tanto mais curtos que todos os anteriores, mas são os mais ricos. Nooteboom foge da descrição objetiva das transformações físicas por que passou a Berlim poderosa que reencontra. Mesmo quando vai em busca do primeiro hotel onde hospedou-se por lá, vinte anos antes, uma nostalgia fácil, sabe fazer o leitor encontrar a beleza e a significância dos pequenos registros.  Uma geração inteira já havia nascido na Alemanha reunificada, mas - para repetir um símile que ele usa frequentemente - somente quando o último sobrevivente daqueles dias morrer é que a experiência da queda do Muro alcançará o status mítico ao qual está condenada. Ele faz desvios pela filosofia, matemática, a poesia, o ativismo político (de amigos, como Paul Hoffman, e desconhecidos, como Mildred Harnack) e a teoria da arte (como a de Anselm Kiefer). Os desvios geográficos e as longas viagens de carro que faz são um contraponto aos desvios literários, às digressões narrativas. A última parte, escrita em abril de 2012, descreve uma semana vivida em Berlim e uma semana vivida em Munique, encontros onde ele discute direitos autorais, o futuro do livro. Ele não sabe se o caos e as dúvidas da crise financeira já podem ser esquecidos. Ele sabe - a exemplo de Proust - que as reencarnações que podemos ter são aquelas que experimentamos durante nossas vidas (e não em vidas futuras). E sabe que a exemplo dos indivíduos, também os países experimentam metamorfoses sem fim. O livro termina com um curto epílogo (escrito em 1993) onde são contadas três fábulas, premonitórias daquilo que acompanhamos na Europa e no mundo nos últimos vinte anos. As diferenças culturais entre os europeus são mesmo compreendidas e/ou aceitas? Claro que não, ele diz. Fábulas não são expressões da verdade, mas sim de sentimentos. Há vezes que os poetas enxergam mais que os políticos e há vezes em que os poetas só saberão que viram algo corretamente quando forem alertados disto (como ele diz, o passado é um tipo especial de memória, bastante seletiva e arbitrária). Nooteboom faz bem aquilo que um escritor pode fazer: nos alertar sobre aquilo que é especificamente humano na História e nos alertar para nossa quase incapacidade de entendermos uns aos outros. Não é pouco. Ao fim esse velho senhor parece convencido da verdade das palavras de Francis Bacon, enfático, a um jornalista: "Eu não acredito em nada. Eu sou um otimista." E eu, que em breve estarei flanando pelas ruas e avenidas, cervejarias, cafés e parques de Berlim, espero que 2014 seja o ano de se encontrar - a exemplo deles, Bacon e Nooteboom, otimismo no nada.
[início: 20/12/2013 - fim: 17/01/2014]
"Roads to Berlin: Detours and riddles in the lands and history of Germany", Cees Nooteboom, com fotografias de Simome Sassen, tradução (do holandês para o inglês) Laura Watkinson, London: MacLehose Press, 1a. edição (2013), brochura 13x20 cm., 352 págs., ISBN: 978-1-84866-291-9 [edição original: Berlijnse Notities (Amsterdan: Uitgeverij De Arbeiderspers) 1990; Berlijn 1989-2009 (Amsterdan: De Bezige Bij) 2009]

Um comentário:

vera maria disse...

Sempre bom ler seus comentários, e esse autor espero um dia vir a conhecer melhor. Feliz Berlim pra você :-):-)
Abraço,
Clara