quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

panteros

Numa manhã de um domingo do início de dezembro do ano passado, ao saber que Décio Pignatari tinha acabado de morrer, resolvi procurar algo dele e ler. Encontrei nos guardados do escritório esse "Panteros", lido, relido e discutido com os amigos lá longe, nos anos 1990 (O exemplar que tenho foi um presente de don Renato Cohen). Mas os dias de primavera pareciam não ajudar a leitura e acabei deixando o livro de lado naquele domingo mesmo. Agora, nos dias vagabundos de carnaval, resolvi voltar a boa prosa do Décio e encontrei o ritmo adequado. É um livro que cobra tino e atenção do leitor. Cada capítulo usa um verso da canção "As time goes by", de Herman Hupfeld, famosa por ter sido utilizada no filme Casablanca, de Michael Curtiz. Ele oferece um jogo de leitura. Os capítulos devem ser lidos sempre em direção ao centro do livro, assim a leitura dos capítulos ímpares é a convencional, para a frente, já a leitura dos capítulos pares deve ser feita de trás para a frente, do final do livro em direção ao seu meio. O livro inclui também uma série de ilustrações, fotografias, pequenos textos que parecem explodir lentamente, imagens que parecem entrar em foco. A história que se conta é a da consumação do amor de um jovem estudante com vocação para poeta, Miro, e sua musa, uma garota chamada Yara, na periferia de São Paulo dos anos 1940. O livro explora uma espécie de educação dos sentidos, num clima de nostalgia que não quer congelar o passado e revivê-lo, mas entender o que se mantém num adulto das encarnações amalucadas que experimentamos na juventude. O livro fala de coisas simples: futebol, cinema, sexo, poesia, trens e espaços urbanos, fala de uma São Paulo que se industrializava com vigor e soterrava o provincianismo dos imigrantes (os ítalo-caipiras, como grafa Décio). Lemos histórias de amor com um tato, pois sempre queremos parecer mais sofisticados e frios do que somos. Décio conta sua "autobiografia não autorizada", sua iniciação no mundo dos que realmente pensam, refletem, sobre o que vivem e fazem. Ao mesmo tempo há muitas citações, sobre pessoas, livros, leituras, filmes, das rivalidades entre cariocas e paulistas, questões políticas e econômicas da época. O livro inclui um prefácio, de Nelson Ascher, que oferece um guia de leitura (antes perguntas instigantes, boas proposições para discussão que afirmações peremptórias e rígidas). Perdido no livro surge um nome, Klaus Tausk, meu professor do Instituto de Física da USP, nos anos 1980. Rememoro nossa velha curiosidade (de Renato e eu) ao ler o livro pela primeira vez: terá sido Klaus amigo do Décio? Mas agora é muito tarde para perguntar. Paciência. Livro curioso esse "Panteros", pequena jóia, mimo que só os grandes fabbri alcançam produzir num dia feliz. 
[início: 02/12/2012 - fim: 13/12/2013]
"Panteros", Décio Pignatari, Rio de Janeiro: editora 34 (Nova Fronteira), 1a. edição (1992), brochura 14x21 cm., 151 págs., ISBN: 85-85490-07-1

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