quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

assim é (se lhe parece)

Nunca vi uma montagem desta peça, mas conhecia um tanto do enredo por conta de conversas acaloradas com Alexandre e a Carla, nos bons tempos da Rua dos Franceses. A montagem original aconteceu há quase 100 anos, em 1917. A trama é engenhosa, uma reflexão sobre o quanto podemos de fato entender dos outros, das escolhas e da vida dos outros (e se é que podemos saber alguma coisa sobre nós mesmos, que não seja filtrada pela hipocrisia e as convenções sociais). Um funcionário público chamado Ponza instala-se numa cidade (provinciana, apesar de ser uma capital, algo como ainda hoje é a mui leal e valorosa Porto Alegre e tantas outras cidades brasileiras). Ele divide o tempo de sua vida pessoal  com a mulher, em uma casa afastada no campo, e com a sogra, que mora no centro da cidade. Os vizinhos, colegas e superiores na prefeitura não entendem esse arranjo familiar, curiosos sobre os porquês de Ponza manter mulher e sogra separadas. Essa curiosidade leva cada grupo a construir diferentes verdades, versões deles para o arranjo, que imaginam ser a mais correta, e assim uma questão privada torna-se um problema público. A sociedade, perversa e cruel, como sempre sabe ser, invade o cotidiano de uma família e torna a vida deles insuportável (assim como torna-se insuportável a própria estrutura social estabelecida). O personagem mais interessante da peça é Laudisi, talvez um alter-ego do autor, uma espécie de bufão (mas um bufão que parece mais se divertir às custas dos outros personagens que entretê-los), uma poderosa consciência onisciente, que desnuda cada uma das toscas justificativas para a curiosidade dos demais. Apesar de divertido, bem humorado, o texto de Pirandello é cerebral, sofisticado, levando o leitor a imaginar-se na situação que é apresentada. Só mesmo um grande texto para atravessar um século ainda com tanto frescor e potência (ou seja, o ser humano continua o mesmo canalha inútil e tolo de sempre, não aprendemos mesmo nada uns dos outros). A edição inclui um posfácio (assinado por Alcir Pécora), uma cronologia da vida de Pirandello e uma bibliografia completa de sua obra. Belo livro.
[início: 29/01/2013 - fim: 03/02/3013]
"Assim é (se lhe parece), Parábola em três atos",  Luigi Pirandello, tradução de Sérgio N. Melo, São Paulo: editora Tordesillhas, 1a. edição (2011), brochura 14x21 cm., 199 págs. ISBN: 978-85- 64406-09-4 [edição original: Cosi è (se vi pare) Teatro Olimpia (Milano) 1917]

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