quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

uma viagem à índia

Dos livros que já li de Gonçalo M. Tavares este é o mais convincente. Sobre "O senhor Brecht" e "Biblioteca" não há mais o que falar, me pareceram apenas exercícios estilísticos, onde mal se lê/vê e se aceita os atributos que eventualmente o texto alcança. Acho que até os chamei de maçantes, pois me entediaram do começo ao fim. Paciência. Apesar dessa inevitável prevenção inicial li "Uma viagem à Índia" com um prazer indistinto. Nos dez cantos de "Uma viagem à Índia" acompanhamos um português chamado Bloom por diversas aventuras, cujas motivações e consequências emulam principalmente o Camões de Os Lusíadas - com o qual o próprio Tavares indica ter uma "proximidade amorosa", e que oferecem ao leitor instigantes idéias e reflexões. Trata-se de um poema épico bastante honesto. Bloom sai às pressas de sua Lisboa para uma viagem que percorre lugares da Inglaterra, França, Aústria, Índia, encontra o caminho de volta pela França e termina em Portugal (claro, o eterno retorno às origens se repete em toda jornada heróica). Ele procura aprender (e também esquecer) durante essa viagem. É um texto complexo, onde Gonçalo Tavares demonstra sua erudição, fazendo ilações filosóficas, apresentando argumentos e dados, sintetizando séculos de história e literatura européia, contrastando os numerosos encontros da velha Europa (do ocidente) com a ainda mais velha Índia (o oriente), encontros esses fundados na saga portuguesa de Vasco da Gama. Claro, há algo de pretensioso nesse projeto: repetir as sagas, as épicas, as mitologias, os grandes poemas que já contaram o vagar de um homem comum pela história de todo um povo, de toda uma civilização, mas sobre isso o próprio Tavares deve saber que não tem controle algum, pois serão os leitores do futuro que darão alguma relevância e/ou mérito a seu texto. Há quem tenha afirmado que seu texto deve algo ao Ulysses de James Joyce, mas além do nome do personagem, Bloom, não encontro paralelo algum (a não ser a óbvia angústia da influência joyceana, claro). Por outro lado, ao ler a epopéia de Gonçalo Tavares lembrei muito do Omeros, de Derek Walcott, que por sua vez emula aspectos da Odisséia de Homero. Há passagens realmente boas, que li várias vezes. É o tipo de livro que espero voltar a ler, para retomar idéias e impressões. A edição inclui um bom prefácio (assinado pelo decano dos filólogos de Portugal, Eduardo Lourenço) e uma espécie de índice selecionado, um itinerário de leitura ou mapa dos cantos (que o autor chamou de Melancolia Contemporânea), onde os temas principais de cada canto são indicados graficamente, possibilitando ao leitor voltar rapidamente a cada um deles após a primeira leitura. Curiosamente o último desses termos é "Tédio" (o herói de Tavares alcança no final um tédio definitivo - que para mim é a morte, mas é possível que um outro leitor entenda isso de forma diferente), mas esse é um livro que em nenhum momento entedia ou aborrece o leitor. [início 26/11/2011 - fim 13/12/2011] 
"Uma Viagem à Índia", Gonçalo M. Tavares, São Paulo: editora Leya (1a. edição) 2010, brochura 13,5x20,5, 480 págs. ISBN: 978-85-62936-41-8 [edição original: Lisboa: editorial Caminho, 2010]

Um comentário:

Vitor Biasoli disse...

É um livro muito instigante. Ainda não terminei de ler. A melhor coisa em poesia que vi neste ano.