domingo, 20 de novembro de 2011

não há nada lá

Soube há tempos deste livro e bem que tentei encontrar um exemplar da edição original, publicado pelo próprio Joca Reiners Terron. Mas os volumes da finada (e louvada) "Ciência do acidente" são difíceis de encontrar. Se como muitos antes dele Terron editou a si mesmo, foi como poucos, e com faro e tino, que soube editar sujeitos de verve poderosa como Glauco Mattoso, Marçal Aquino, Mário Bortolotto, Nelson de Oliveira e outros tantos. "Não há nada lá" poderia se chamar "O apocalipse segundo Joca Reiners Terron". Se João escreveu seu apocalipse na ilha de Patmos, Terron teve a idéia do seu ao sair do "Rancho nordestino", no Bixiga paulista. Algo intoxicado ele provoca alguns amigos no bar, fala de um bispo de Macau que conhecia a verdade sobre o segredo de Fátima, das maquinações que as verdades sofrem ao serem registradas, do uso político e eclesiástico das verdades, de um provável fim do livro e de um inevitável fim do mundo. Nenhum dos zé-manés que ouviram sua história de bar parece ter se convencido muito, mas ele jogou sua cerveja quente no chão, guspiu alguns tronantes "É o caralho", rumou Rua santo Antônio abaixo e foi para casa escrever sua história. Em "Não há nada lá" encontramos sete histórias aparentadas, divididas em sete séries regressivas (o livro todo é paginado em ordem decrescente, mas isso é só um artifício extra). Além desses quarenta e nove capítulos correspondentes às sete histórias, há dois capítulos soltos, um logo no início e outro quase no final: esse último é uma espécie de Gênesis, intitulado "O bispo de Macau", onde Terron conta o insight original de seu livro e aquele primeiro, "Das considerações", é um breve resumo técnico sobre um conceito geométrico, o de Tesseract. Cada uma das sete histórias que Terron conta é um recorte arbitrário na biografia de sete indivíduos, cada um enigmático e perturbado a seu modo, que fazem às vezes de anjos destruidores, portadores de selos e verdades, cavaleiros de seu apocalipse literário. Terron até inclui um glossário ao final do livro identificando objetivamente seus anjos anunciadores: William Burroughs, Raymond Roussel, Torquato Neto, Isidore Ducasse, Arthur Rimbaud, Aleister Crowley, Lúcia (de Jesus dos Santos). O livro é povoado por outros personagens (Fernando Pessoa, Billy the Kid, Jimmy Hendrix, o papa Pio XI), não menos provocadores que os anjos de Terron. Suas histórias são amalucadas e divertidas. São de alguém imerso no universo da cultura popular, de alguém que parece querer esconder sua sofisticação. Encontramos os macacos voadores de "O mágico de Oz", poetas malditos traficando haxixe, poetas esotéricos enganando a polícia, duelos a bala (e com palavras) no velho oeste, teorias conspiratórias saídas de uma espécie de arquivo x, um divertido papa transfigurado em diabo gay, cenas escatológicas dignas dos filmes do David Cronenberg, cenas belíssimas que devem algo aos filmes de Peter Greenaway, a perene presença da igreja católica em suas maquinações, o poder das drogas e alucinações. "Não há nada lá" transborda o milenarismo dos anos em que foi escrito originalmente (o final do século XX). Enfim, é um bom livro, que oferece muitas associações e provocações a um leitor curioso. Preciso ler outras coisas desse sujeito. [início 12/11/2011 - fim 18/11/2011]
"Não há nada lá", Joca Reiners Terron, São Paulo: editora Companhia das letras, 1a. edição (2011), brochura 12,5x18 cm, 160 págs. ISBN: 978-85-359-1940-0 [edição original: Não há nada lá (São Paulo: editora Ciência do acidente) 2001]

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