sábado, 16 de julho de 2011

raga

Nunca li um livro de J.M.G. Le Clézio que não abordasse um tema terrível, mas o sujeito é tão genial que o leitor - e ao menos comigo sempre foi assim - acaba se apaixonando pelo texto. Em "Raga" Le Clézio apresenta um relato de viagem, mas há algo de ficção no texto, na forma em que ele apresenta suas reflexões. Le Clézio nos fala das ilhas de um país chamado Vanuatu, um país jovem, que alcançou a independência apenas em 1980. Falando destas ilhas ele fala de todas as pequenas ilhas do Oceano Pacífico, de todo o povo que aprendeu a percorrê-las, que aprendeu a conhecê-las e respeitá-las, até o funesto momento em que foram confrontados com a realidade da chegada dos europeus. Assim como nas Índias, na África e nas Américas, quando a escória da raça branca chegou a miríade de ilhas do Pacífico só trouxe morte, pilhagem e destruição. Le Clézio não nos poupa de descrever alguns destes fatos terríveis, mas ao mesmo tempo ele consegue nos convencer que há lugar para otimismo e esperança no futuro destes povos. Ele descreve uma travessia marítima entre as ilhas, descreve como toda uma tribo se lança ao mar, contra os elementos, sem carregar mais do que o imprescindível, sem levar no peito mais que o conhecimento, a memória e o desejo de um lugar melhor. Ele descreve também a geografia das ilhas principais de Vanuatu, fala das lendas e mitos do povo ali radicado, conta sobre os homens e mulheres que ali viveram. Mas ele fala também das pessoas comuns que estão lá agora, neste início de século XXI, vivendo e se organizando. Trata-se de um livro pequeno, baseado em trabalhos de antropologia e sociologia que ele cita para aqueles interessados em se aprofundar no assunto. A contribuição principal de Clézio é a poesia sutil que ele acrescenta às histórias, às lendas e aos mitos que ouve. Aprende-se um bocado neste livro, que não é panfletário, nem piegas. Na próxima vez que ouvir sobre terremotos no Pacífico, ler sobre vulcões que brotam do mar no círculo de fogo do Pacífico, conversar sobre o efeito do aquecimento global no nível do mar naquela região, tomar ciência dos cruzeiros milionários que vagam por aquelas águas sem pedir permissão, lembrarei de Le Clézio e deste pequeno livro, lembrarei da extraordinária capacidade de resistência deste povo, que encontrou no mito e no sonho uma forma de superar a tragédia de sua história. [início 03/07/2011 - fim 16/07/2011]
"Raga: uma viagem à Oceania, o continente invisível", J.M.G. Le Clézio, tradução de Clóvis Marques, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição, revista (2011), brochura 12x18,5 cm, 124 págs. ISBN: 978-85-01-08622-8 [edição original: Raga, approche du continent invisible (Paris: éditions du Seuil) 2006]

Nenhum comentário: