domingo, 7 de março de 2010

whatever

Devemos sempre respeitar as idéias de um autor, mas para mim "Whatever" não é exatamente um livro de contos (Ulalá, quem sou eu, além do menor dos anões desta paróquia, para entrar nesta enrascada descrever as fronteiras do quê é um conto afinal). Bueno. Chamar "Whatever" de romance talvez incomodasse o Leonardo. Eu mesmo acredito que há algo de romance de formação nele, mas como se desenvolver, se formar, é algo que a psique do personagem que percorre todos os nominados dez contos exatamente se recusa a fazer, há um anacronismo meu no uso desta acepção. Talvez eu pudesse dizer que "Whatever" é um "Bildungskurzgeschichte" (se é que don Robson e a língua alemã permitam tal construção), ou seja, algo como contos de formação: já que embora o tempo flua para o personagem e ele pouco se modifique, se transforme, se desenvolva, ao chegarmos ao último conto encontramos uma nova encarnação do garoto que sonha no primeiro dos contos que lemos. Mas esta é uma questão para os críticos formais, não para mim. Leonardo Brasiliense nos apresenta neste bem editado livro dez histórias curtas que um sujeito experimenta, ou melhor dizendo, histórias que um jovem brasileiro entre seus 14 e seus 17 anos experimenta. São como janelas na vida deste rapaz. Algumas são invenções dele mesmo, seus sonhos, suas angústias, suas dificuldades de operar no mundo real; outras são narrações curtas de como ele resolve (ou não resolve) eventos algo importantes de sua vida. Desde a primeira história ele se revela um bom observador e um bom descritor das sutis diferenças de recepção que seus atos provocam em terceiros. Acompanhamos o personagem, João Pedro, em experiências simples: sua festa de aniversário; seu primeiro "bico", um trabalho de meio período; suas andanças sem rumo pela cidade; sua socialização com outros garotos e garotas, na escola e em festas juvenis; sua avaliação do constrangimento geral que a prisão do pai de um colega provoca; sua reação aos amigos, a princípio tão diferentes dele, com os quais se relaciona; seu envolvimento com uma menina, com quem imagina poder se apaixonar; sua escolha de uma opção para o exame vestibular. São coisas que afinal acontecem com todos os garotos e garotas nesta faixa de idade. Não sei avaliar se as últimas legiões de garotos e garotas que passam por esta idade são menos ou mais indiferentes à vida que aquelas que as precederam. Talvez seja um defeito humano, muito nosso, como a miopia ou o diabetes por exemplo, acreditar que somos particularmente mais atuantes, gregários, solidários e simpáticos que nossos filhos. É difícil rotular. Ao mesmo tempo os rótulos servem para delimitar assuntos, temas, e nos ajudam a localizar padrões e caminhos. De qualquer forma posso registrar que "Whatever" é um bom livro, que independe de alguma sociologia, de alguma interpretação sociológica. São histórias que lemos com prazer, que nos remetem a situações que em certa medida já encarnamos, que nos fazem interpretar melhor o mundo em que vivemos. Se a função da literatura é levar um leitor a pensar, Leonardo Brasiliense acertou neste livro. Por fim cabe registrar que o livro tem discretas ilustrações de uma jovem designer e que Leonardo usa (com parcimônia) um recurso metalinguístico - o autor interferindo no enredo explicitamente - que enriquece o livro. Agora um "spoiler" rápido: só achei estranho celulares e videoclipes dos Mamonas Assassinas na primeira história, mas era mesmo um sonho tudo aquilo afinal. [início 10/02/2010 - fim 04/03/2010]
"Whatever", Leonardo Brasiliense, ilustrações de Juliana Dischke, editora Artes e Ofícios, 1a. edição (2009), brochura 16x23 cm, 127 págs. ISBN: 978-85-7421-124-4

Um comentário:

Dilene Costa disse...

Caramba! adorei o post , uhuhul , mas tenho q lhe dizer q eu amo esse livro !