segunda-feira, 8 de março de 2010

o vendedor de passados

Ainda incomodado com as ressonâncias de "Barroco tropical" resolvi ler algo mais de José Eduardo Agualusa. Optei por "O vendedor de passados", publicado em 2004. Trata-se de um pequeno livro, pouco menos de 200 páginas, editadas com generosos espaços em branco e dividido em muitos capítulos com títulos esdrúxulos, artifícios que devem reduzir em ao menos um quarto o tamanho do livro impresso. Paciência. A história é curiosa. Um sujeito vive na desgraçada Angola do período pós-colonial. Seu ofício é inventar passados edificantes para a elite arrivista de seu país. Aparentemente ele é bem sucedido e mantém uma clientela regular. Um dia um fotógrafo pernóstico o visita e solicita seus serviços. O trabalho é feito mas o sujeito se empolga tanto com o passado construído que resolve percorrê-lo fisicamente (visitando pessoas, cemitérios, cidades que nunca frequentou), como ele fosse mesmo o sujeito inventado. Ele muda seu sotaque, muda sua forma de vestir-se. Ele vê um mendigo algo louco e este torna-se sujeito de seu trabalho fotográfico. Uma outra fotógrafa, bastante jovem, também aparece na trama. O construtor de passados se apaixona por ela. As histórias destes quatro personagens se enredam e se tornam mais complexas. Surge o terrível passado real angolano, as histórias da guerra, da violência e do crime que grassou por Angola após sua independência de Portugal. Lembrando o que nos ensina Beckett (citando a obra de Proust), também para Agualusa os homens que não se esquecem de nada nunca se lembram de nada, portanto também nos lugares onde não se esquece nada, nada pode ser verdadeiramente relembrado. O narrador do livro é um "osga", que para angolanos e portugueses é algo que se parece com o que eu entendo por salamandra. O "osga" sabe-se a reencarnação de um homo sapiens sapiens e tem saudades de seu passado. Ele e o inventor de passados não conversam exatamente, mas sabem da existência um do outro (o "osga" tem até nome próprio) e interagem através dos outros personagens (pois é a salamandra que sonha com a vida inventada e a vida real dos outros personagens). Apesar da lembrança dos acontecimentos terríveis que assolaram Angola há uma esperança que percorre o livro e que deixa o leitor em paz. Como acontece nas histórias de amor (e em "o vendedor de passados" se conta uma história de amor) no final o mocinho sai a procurar pela mocinha e tenta construir um sonho feliz a dois. [início 20/02/2010 - fim 05/03/2010]
"O vendedor de passados", José Eduardo Agualusa, editora Gryphus, 1a. edição (2004), brochura 14x21 cm, 199 págs. ISBN: 978-85-7510-092-0

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