domingo, 7 de fevereiro de 2010

meu último suspiro

Reler livros que nos foram caros um vez sempre é uma ocupação maravilhosa. É como um tempo redescoberto, que nos fala de um outro leitor, de um outro eu que nem sempre reconhecemos. Em meados dos anos 1980 eu costumava ir a ciclos de cinema com freqüência e os filmes de Buñel eram sempre aguardados com ansiedade. Naquela época li sua autobiografia e aprendi um bocado sobre a história da Espanha, sobre as relações humanas e sobre cinema. Quando vi esta nova edição não pude deixar de me interessar. A edição é excelente. Muitas reproduções de fotografias estão incluídas, assim como uma filmografia completa e um índice remissivo. Escrita em parceria com Jean-Claude Carriére (na verdade produto de longas entrevistas feitas por Carriére) neste livro encontramos reflexões de um homem que experimentou a vida plenamente, que valorizou a liberdade (dos indivíduos e dos povos), privou do companheirismo de sujeitos incríveis e louvou a verdade acima de tudo. Em alguns trechos ele escancara o que pode ser considerado seus defeitos, como apenas senhores de oitenta e tantos anos podem fazer sem soar piegas. Suas reflexões sobre psicologia (que na verdade abominava) e arte são complexas e inventivas (cabe dizer que ele teve uma educação formal muito boa e foi filho de uma família relativamente próspera). A forma lúcida como ele fala da beleza, da esperança, da luta por valores humanistas é mesmo tocante. Ele tem uma veia cômica muito boa e fala de suas obsessões (com hipnotismo, com armas de fogo, com sonhos premonitórios) de forma muito divertida. Como Buñel é sobretudo um antifascista este é o tipo de leitura adequada para estes tempos bicudos onde tropas de choque, picaretas e canalhas de plantão saqueiam o espaço público brasileiro. Não apenas os interessados em cinema devem se envolver na mágica deste livro e conhecer um tanto das memórias de Buñel. [início 01/01/2010 - fim 08/01/2010]
"Meu último suspiro", Luis Buñel, tradução de André Telles, editora Cosac Naify, 1a. edição (2009), capa dura 16x22,5 cm, 376 págs. ISBN: 978-85-7503-845-1

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